Houve uma vez que o conto de fadas almejou cruzar as fronteiras de sua própria ficção. Desejou poder saltar das páginas e transformar a abstração do mundo encantado de suas palavras em uma realidade mais palpável e concreta. Após algumas tentativas, percebeu que adentrar naquele universo, estaria literalmente, fora do seu alcance. A força de sua inércia estava diretamente ligada aquilo que nutria sua existência fantasiosa.
Conformado, se contentou em apenas observar de dentro de sua capa dura o inalcançável mundo que o cercava. Eis que um dia algo estranho aconteceu. Notou que por entre suas entrelinhas alguém o observava com uma intrometida curiosidade. E mesmo já ciente de sua própria história, era a primeira vez que reparava a infinidade sinestésica contida na sua narrativa. Percebeu cheiros, cores, formas táteis e paladares. Tudo isso estava adormecido por uma memória inapta de acessar recordações do que ali sempre esteve escrito. E agora estavam sendo despertas, na medida que olhos alheios as percorriam.
Ao final da leitura vertebral do conjunto de letras que formavam a espinha dorsal de sua acepção literária, compreendeu que para extrair o verdadeiro significado internalizado no campo invisível da descoberta, era preciso que ele, quanto conto, fosse folheado e absorvido por aqueles seres falantes e andantes. Só assim ele poderia se autopersonificar e finalmente fazer parte daquele mundo que tanto almejava. Constatou também que, uma vez acionadas, guardaria para sempre as sensações impressas em suas páginas. E que o ponto final da última linha seria apenas um terno suspiro, até o momento em que novos olhos atravessariam as veias de suas laudas, agora ávidas e preparadas, para reviverem continuamente o contentamento sublime de cumprirem o reconhecimento de sua própria reconexão.
"Some day you will be old enough to start reading fairy tales again" C. S. Lewis